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20 maio 2010


Sobre padres e cães
"Em 1985, padre Mateus Elias veio morar no Seminário Arquidiocesano, do qual eu era reitor, ali na saída para Paranavaí. Deixou Doutor Camargo, não pelos 71 anos de idade, mas por culpa de uma deficiência visual que só aumentava. Com grande esforço e ajuda de uma lupa, continuou lendo e escrevendo. Trabalhou até momentos antes de morrer, três anos depois.

Logo que chegou, pediu-me que, vez por outra, alguém o levasse à sua cidade. Determinei ao seminarista encarregado da kombi que o atendesse. Quinzenalmente, sem falta, ele retornava à ex-paróquia. Passou o tempo.
Um belo dia, perguntei ao motorista se o continuava conduzindo a Doutor Camargo.
Resposta: “Ele não vai mais; faz meses que seu cachorrinho morreu”.

Comoveu-me a doçura do velho padre. Não trouxe consigo o cãozinho para não causar incômodo na nova casa que o acolheu. Mas continuou fiel ao amigo que, por mais de uma década, o acompanhou até na missa. Ninguém me tira da cabeça que o cão, pobrezinho, apesar de bem tratado, morreu de saudade do antigo dono.
Há não muitos anos, a caça era permitida. Pelo menos à perdiz, nas grandes invernadas de gado. Em Paranacity, nos anos 70, Benedito Vismara, exímio atirador, abatia em seus pastos muita perdiz, que saboreávamos com arroz, à noite, no Bar Bauru. Padre Almeida não tinha pasto, mas era muito bom no tiro ao voo.
Em Marialva, foi dono de Antares, cadela setter irlandesa negra, excelente caçadora. A coitada vivia no quintal da casa paroquial, sufocando seus dotes venatórios. Mas, quando saía a campo, era uma grandeza.

Uma ocasião, padre Geraldinho Trabuco convidou Almeida para caçar na invernada de um seu tio, em Atalaia. Na viagem, apesar da excitação da cadela, que prenunciava rica jornada de caça, correu tudo bem. À chegada, porém, não houve como evitar o desastre. Antares não conhecia galináceos. Antes que alguém acudisse, cinco ou seis franguinhos, com o pescoço destroncado, jaziam pelo quintal. Receosos de mais problemas, os caçadores rumaram para o pasto.
Era a praia de Antares, que não escondeu suas aptidões. Sem demora, os bornais começaram a se encher.

Depois do almoço, Almeida foi tirar um cochilo à sombra de uma arvore. Geraldinho chamou Antares de volta ao trabalho. Dava gosto vê-la em ação. Farejava, descobria a pista, seguia-a, estacava, amarrava até levantar a perdiz.
Ia buscar a peça abatida, trazia-a, mas... aí rompia o protocolo.
Ignorando Geraldinho, que estendia a mão para apanhar a caça, levava-a a Almeida, lá embaixo da árvore. Aos poucos, Trabuco se aborreceu: “Cadela chata! Amar o dono, tudo bem, mas não viu que quem matou fui eu?”

São Francisco de Assis apreciava os animais como irmãos. O ex-ministro Rogério Magri, em frase célebre, afirmou que cachorro também é ser humano. Há quem julgue os animais capazes de amar. Como a garotinha de quatro anos, que definiu: “Amor é quando seu cachorro lambe sua cara, mesmo depois que você deixou ele sozinho o dia inteiro”.
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Se amam não sei, mas alguns se mostram mais amigos do que muita gente."
Monsenhor Orivaldo Robles - sacerdote da Arquidiocese de Maringá