Por Felipe Miranda
"Economista é um bicho meio besta.
Falo assim de forma tão direta pois pertenço à classe bestial. O “meio” fica
como cortesia; um pouco de eufemismo nunca vai mal. Boa parte da origem dessa
bestialidade se deve a um sujeito chamado John Muth, pai de uma atrocidade chamada
“expectativas racionais”.
A partir dele, a Ciência Jovem
passou a trabalhar indistintamente na investigação de um ser batizado de homo
economicus, algo capaz de lembrar, de longe, o ser humano, embora pertença à
classe dos sobrehumanos. Esse tal homo economicus é capaz de acessar,
armazenar e processar todas as informações relevantes. Ele conhece o “modelo
relevante” e, com isso, pode fazer estimativas consistentes sobre o futuro. Ou
seja, a hipótese é de que, na média, os economistas acertam em suas previsões.
Obviamente, a hipótese não guarda
nenhuma aderência com a realidade. Estamos cansados de saber que a profissão de
economista existe apenas para não deixar os meteorologistas passarem vergonha
sozinhos.
Uma classe solidária, sem dúvida
alguma, mas também invejosa. Ao adotar essa premissa, a Economia pode se
apropriar de todo o instrumental analítico do cálculo diferencial. Para
afastar-se das ciências sociais e aproximar-se da Física e de outras ciências
naturais, a Economia buscou a formalização matemática. Assim, teríamos a
primeira ciência social alçada ao seleto grupo do hard science. Somos os
physics envy (invejosos da Física).
Chegamos a um paradoxo, é claro.
Mas quem se importa? Se a realidade não está representada pela teoria, a culpa
é da realidade, já nos alertara Milton Friedman. Cortemos as pernas do mundo
real para fazê-lo caber em nossa planilha de Excel.
Todo esse papo de expectativas
racionais faz com que o valor esperado para uma determinada variável no futuro
convirja para o verdadeiro valor realizado, acrescido de um ruído aleatório de
média zero e variância constante. Em bom português, na média a gente acerta.
Então, a variável esperada converge para a efetivamente realizada e eliminamos
a subjetividade do processo de formação de expectativas. Bingo! Estamos prontos
para derivar as coisas.
O discurso pode parecer um pouco
difícil de entender. De forma mais simples, tento dizer que os economistas
adotaram métodos matemáticos para tentar prever o futuro de modo a fingirem-se
mais sofisticados e científicos. A formalização é uma arma poderosa da retórica
na Ciência. E como muito bem definiram Persio Arida e Deirdre McCloskey, é a
retórica quem comanda o embate de ideias na história do pensamento econômico.
Qual o problema disso? Ao vestirem-se
de um discurso rebuscado, os economistas expulsam o leigo da discussão. Ninguém
entende seus modelos, que passam a ser interpretados como reais previsores do
futuro, sem que seu observador possa tecer críticas à altura. Toda aquela
sofisticação deve servir para alguma coisa, né?
Se você não é capaz de compreender
uma proposta de um terceiro, certamente esse terceiro, que nada mais é do que
um terno vazio, é percebido como mais inteligente, não é mesmo?
Mas não estou aqui para promover
uma discussão epistemológica, de metodologia da ciência. Chamo a atenção para o
ponto porque entendo estarmos diante de uma daquelas situações em que os
economistas vão errar fragorosamente. Há algo de especial no atual momento.
Os modelos de previsão são
especialmente problemáticos para capturar pontos de inflexão e minha avaliação
é de que estamos justamente diante de um deles. Embora os economistas já venham
melhorando de maneira sistemática suas projeções para o crescimento econômico
brasileiro, considero o movimento ainda muito tímido.
Dados do PIB e da produção
industrial surpreenderam positivamente em suas últimas referências. Isso
desencadeou uma porção de revisões para cima nas projeções de consenso para a
atividade econômica - de acordo com o último relatório Focus, a mediana das
projeções já aponta para crescimento do PIB da ordem de 1% em 2017.
Entendo que essa visão ainda
subestima fortemente a capacidade de recuperação iminente. Não vou arriscar um
número porque dispenso o charlatanismo das projeções. Seria ótimo se
aprendêssemos com Confúcio: “sábios não fazem previsões”.
O ponto é que estamos
caprichosamente preparados para uma recuperação cíclica vigorosa.
Qual foi o problema central das
medidas anticílicas serem mantidas a partir de 2011? Elas ignoraram que
havíamos atingido um limite. Continuamos fornecendo subsídios e incentivos para
o lado da demanda, desconsiderando o supply side (parte da oferta agregada).
Tínhamos um problema de falta de oferta, e o tratamos como falta de demanda.
Estávamos em pleno emprego e à
plena utilização do capital. Crescer exigiria ganhos de produtividade, ou seja,
foco no supply side. E fizemos o contrário: demos mais combustível à demanda
agregada, que respondeu exatamente como prediz o livro-texto: mais inflação e
mais déficit em conta corrente (precisávamos suprir a maior demanda doméstica
com produtos importados). Um diagnóstico errado jamais produziria um bom
prognóstico.
A situação agora é diametralmente
oposta. Há um gigantesco hiato do produto. O desemprego flerta com 12% da
população e existe muita capacidade instalada ociosa. Ou seja, podemos crescer
pelo lado da demanda sem que isso gere pressões inflacionárias no curto prazo.
Ademais, o setor externo já passou
por ajuste importante, mais intenso e rápido do que todos podiam supor
previamente - marcamos o primeiro superávit em conta corrente em sete anos. Em
reforço, os termos de troca têm melhorado destacadamente, com commodities
voltando a níveis razoáveis lá fora - alguém imaginava no começo do ano que o
minério de ferro voltaria a US$ 55/tonelada e o petróleo superaria US$
50/barril em tão curto intervalo de tempo?
A inflação dá sinais de
arrefecimento e economistas de primeira grandeza têm defendido formalização de
horizonte maior de convergência para o centro da meta. Isso significa espaço
para juros caírem de maneira expressiva a partir do segundo semestre. Em outras
palavras, é injeção de estímulo à demanda na veia.
Em paralelo, há uma série de
projetos represados que podem ser retomados a partir da real percepção de
ortodoxia na condução da política econômica e estabilidade das regras do jogo -
as empresas brasileiras já voltaram a captar lá fora aproveitando a janela de
elevada liquidez internacional; isso retira pressão de curto prazo sobre os
balanços e pode significar mais investimentos à frente.
Se a isso somarmos um profundo
pacote de concessões e privatizações capaz de avançar em infraestrutura
logística - não há outro jeito -, a coisa pode ser muito virtuosa.
De maneira evidente, tudo isso
depende da constatação de que não somos um caloteiro em potencial. Precisamos
de um consistente e crível plano de voo para a política fiscal, capaz de
sinalizar que a trajetória da dívida pública não é explosiva.
Felizmente, os primeiros sinais
nesse sentido, em que pesem importantes soluços no meio do caminho, são
positivos. Michel Temer tem conseguido aprovar medidas econômicas relevantes e
a equipe montada para Fazenda, Tesouro, BNDES, e Banco Central é simplesmente
formidável. Nem no melhor de nossos sonhos poderíamos aventar uma equipe dessa
grandeza. Se há alguma forma de endereçar nossa crise fiscal - e eu acredito
que há -, essa gente vai encontrar.
O comportamento da receita
tributária tem se mostrado mais cíclico do que anteriormente se sabia. Numa
eventual volta do PIB, podemos também nos surpreender pelo lado da arrecadação,
fazendo com que a trajetória dívida/PIB caia em ritmo superior ao previsto.
Deixem o homem trabalhar. Se o fizerem, os economistas, que erraram de
maneira vergonhosa ao não antecipar a recessão de 2014 e 2015, estarão mais uma
vez brilhantemente equivocados. Talvez ao longo do tempo, poderão afirmar que,
na média, acertaram: erraram feio para cima nos dois últimos, e agora vão errar
para baixo nos próximos. Precisamos de algo melhor do que isso. "
O Antagonista
Um comentário:
Tomara que errem feio mesmo, também acho que devemos dar um voto de confiança pra esse novo governo.
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