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13 fevereiro 2021

DESABAFO!

"A Covid as levou para longe, sem direito a uma despedida adequada. Quanta dor. Enquanto preenchia a segunda declaração de óbito, declarei que não aguentava mais assinar tanto sofrimento. Não posso ficar alheio à dor alheia, que dói em mim também. Tento me colocar no lugar do outro e entender sua tragédia. Empatia. E sofro junto, imaginando aquela perda inexprimível e incomensurável como se fosse minha. Só assim eu posso tentar confortar tamanha insensatez da existência, ou seja, a morte de alguém que se ama.
Mais difícil do que declarar em um papel que alguém deixou de viver, é informar isso aos familiares, olhando em seus olhos. Nós, médicos, não fomos treinados para informar mortes, mas para salvar vidas. Quando a família é chamada para vir ao hospital no início da madrugada, já se conclui que a luz do sol teve fim, que uma nova estrela surgiu. Porém, cada um reage de uma forma diferente diante da noite. A maioria, contudo, já chega à sala de espera da UTI, esperando o pior.
Ao longo de duas décadas de trabalho árduo em unidades intensivas, aprendi a falar com os olhos. Geralmente, basta o meu olhar para que tudo seja entendido, mesmo que negado. Ou uma única e sincera frase: “lamento muito”. E eu lamento, de fato. Além do grito, do urro, do choro, das eternas questões sem resposta, não há som que faça sentido nesse momento. Somente há sentimento. Afora os nossos sentimentos, tudo é pequeno.
Maior do que a dor, só o amor, o verdadeiro amor, e a fé. Tento passar isso: o amor e a fé superarão a dor. Sejam fortes. Também preciso ser forte. Há outras vidas dependendo de mim, tantas, dentro e fora da UTI. Assim que a família sai para resolver a burocracia da “passagem”, eu posso chorar um pouquinho, alguns poucos segundos, antes de enxugar a face e voltar para o salão da UTI.
Tenho que admitir mais um paciente, que chegou com “abdome agudo”. Tenho que admitir, mais uma vez, o quanto somos frágeis. Tenho que admitir que os profissionais da saúde, meus queridos colegas de luta, que agora correm para acolher mais uma vida em risco, são heróis neste mundo insano, neste momento bizarro da humanidade. Que Deus nos ajude, assim como vocês."
Dr. Francismar Prestes Leal 

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